ANDRE TRIGUEIRO:
HÁ ALGO NOVO NO AR
É possivel que o leitor não temha ainda se dado conta, mas
pela primeira vez na história da humanidade o debate sobre suicidio está acontecendo
de forma aberta, clara sem tabus ou preconceitos. Salvo os os nichos de resistência
dogmática de sempre- onde a luz da
ciência e o amparo da razão não têm lugar- ou certas culturas do passado que
normatizavam o autoextermínio, esta seria
realmente a primeira vez em que o
tabu em torno do assunto não resistiu á urgência de se entender o que leva
alguém a se matar. É evidente que a série mais popular da história da Netflix
um dos maiores serviços de streaming do mundo- contribuiu para isso. Os
produtores e realizadores de Os 13 porquês(13 reasons why) sabiam exatamente no que estavam se metendo.
Lançaram uma série onde o suicídio de
uma jovem seria o ponto de partida para uma história marcada pelo desejo de
vingança, onde todos os supostos algozes da vítima foram denunciados em
gravações feitas pela própria suicídia.
Tudo isso numa escola que reproduz o ambiente competitivo das instituições
escolares americanas(especialmente no High School) onde o massacre dos
bullyngs, a execração pública nas redes
sociais pelo cyberbullying, o
assédio, a violência sexual, entre outros problemas que asfixiam a garotada em boa parte do mundo, são
mostrados didaticamente. Ponto para a Netflix por escolher o tema do suicídio entre jovens para uma nova
série. Só faltou evitar os chamados “gatilhos” cenas que podem agravar o desequilibrio de pessoas fragilizadas
psíquica ou emocionalmente- amplamente diagnosticados e registrados em
numerosos estudos respaldados pela OMS- (OrganizaçãoMundial de Saúde). Em bom
português, “gatilhos” podem precipitar
tentativas de suicídio e eventuais óbitos. A cena do suicídio da personagem
principal foi apelativa e escatológica. Poucas vezes se viu algo parecido na TV
ou no cinema. Num primeiro momento, os responsáveis pela série justificaram a exibição de cenas
fortes como essa para chocar intencionalmente o público e mostrar como o suicídio é doloroso e dramático.
Semanas depois, pressionados por especialistas
em saúde pública mundo afora, os
produtores anunciaram a inserção de alertas e advertências em episódios que
estavam sem esses avisos. Será o suficiente? Quantos de nós deixaríamos de
continuar assistindo a uma série por causa de uma tarja informando que o
episódio contém cenas chocantes e violentas?
Em países como Nova Zelândia, as autoridades de saúde chegaram a
orientar país ou responsáveis a assistirem
á série da Nerflix ao lado dos filhos ou responsáveis. O fato é que toda
essa repercussão levou a Nerflix a anunciar a continuação da série. Haverá
novos gatilhos? O tempo dirá. Nas primeiras semanas de exibição de os 13 porquês,
o volume de atendimentos do CVV cresceu 450%. Resta saber se isso aconteceu
porque a Nerflix abriu espaço para divulgar o serviço voluntário e filantrópico
prestado há 55 anos pelo Centro de Valorização da Vida, ou se a série e seus
gatilhos fragilizaram parte de audiência.
(Andre Trigueiro é reporter da TV Globo editor
chefe do programa Cidades e Soluções Globonews e comentarista da Rádio CBN)
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