Muitos companheiros têm nítida percepção de que está havendo, no movimento espírita, a diminuição no número de companheiros realmente engajados no Espiritismo, que nele assumem compromissos. Será exagero pensar que muitas pessoas, embora se afirmem espíritas, estejam dando mais atenção à vida material do que à vida espiritual?
Raul Teixeira: Tal percepção corresponde à mais transparente realidade, no momento humano que se vive no planeta. O materialismo, contra cujas propostas perigosas o Espiritismo chegou ao mundo, vem ganhando terreno em todos os arraiais da humanidade, por mais lamentável que isso possa parecer.
Havendo as religiões, na feição humana das suas lideranças, assumido acordos de complacência ou de condescendência com as insinuações mundanas do imediatismo, do lucro material supostamente justificado (assistência social, caridade material etc.), das posições diretivas, muitas vezes bastante lucrativas psicológica ou fisicamente, acabaram por cochilar e não perceber que a hidra devoradora penetrava sorrateira, mas com disposição, os nossos arraiais.
Começamos a ter muito mais reuniões para discutir maneiras de conseguir dinheiro e haveres para a manutenção física das instituições, do que para estudar o Espiritismo e refletir a respeito do seu papel em nossas existências.
Passamos a disputar os cargos institucionais com acirramento, a fim de administrar os recursos que angariamos (supondo poder fazê-lo melhor que os demais companheiros), e deixamos de lado os cuidados com o direcionamento espírita do nosso Movimento.
Essa visão imediatista do mundo em geral, sem dúvida, foi diminuindo o fervor, o ardor da fé, o que víamos em médiuns como Yvonne Pereira e em Chico Xavier; acompanhamos a diluição da lucidez argumentativa, que encontrávamos nos raciocínios de Deolindo Amorim, de José Herculano Pires ou de Carlos Imbassahy – apenas para citar alguns dos mais públicos, mais conhecidos servidores do Espiritismo – que, com certeza, são desconhecidos pelas novas gerações de espíritas que, quando muito, já ouviram alguma referência sobre eles.
Os trabalhos devotados de ensino espírita ou evangelização; as atividades da desobsessão de qualidade; as reuniões de alentado estudo das obras kardequianas, dos textos clássicos e dos livros da mediunidade respeitável, bem como a abertura da tribuna espírita às mentalidades sérias e comprometidas com o Ideal Kardequiano e o esmero na conduta, identificador daqueles que levam a sério os áureos postulados do Invisível, tudo isso foi ficando em segundo ou em terceiro plano, sob argumentações simplistas de que não se deve ser ortodoxo, ou que não se pode exagerar na dosagem espírita, para que não se façam fanáticos, e por aí em diante. O resultado disso, a curto e médio prazos, não poderia ser diferente do que se vê nos tempos de agora: o descompromisso com o Espiritismo.
Assim, encontramos os centros espíritas abarrotados de gente, que costuma ir para receber, para buscar passes e desencostos, para obter mensagens dos seus falecidos e solução para problemas da vida material. Porém, os que se prestam a fazer algo pelo bem, pelo socorro aos semelhantes, os que se dedicam, envolvidos mesmo com a Causa Luminosa do Consolador, cooperando com os esforços de Jesus Cristo – de quem se fala muito pouco, aliás, como se fala bem pouco das obras excelentes da Codificação Espírita – continuam sendo muito poucos; continuam os de sempre que, embora o cansaço físico que chega com a idade, permanecem íntegros e audaciosos, mantendo acesa a chama do Ideal Espírita.
Em tempos em que prevalece nos campos da crença religiosa a propalada teologia da prosperidade material – quando se deseja alcançar um reino dos céus bem terreno, com muitos gozos e festas aqui mesmo, na Terra – não é de admirar que essa tormentosa onda tenha penetrado, por invigilância ou descaso nosso, os arraiais espíritas, antes vivido com maior unção e responsabilidade.
Entrevista concedida especialmente a esta revista em 29 de junho de 2011.